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Receituário
Entre os pratos mais tradicionais, que privilegiam os produtos locais, destacam-se as sopas e caldos, os peixes e mariscos, os pratos de carne com predominância dos pratos de capoeira e caça e os doces, bolos e bolinhos, de origem conventual e popular.
Comer em Cascais pode traduzir-se numa experiência de viagem pelo seu território, história e património, do litoral ao interior, onde os sabores da serra e do mar caracterizam a sua gastronomia e onde se perpetuam as tradições, os sabores e cheiros da terra.
Já conhece o livro Receitas de Reis e Pescadores?
O trabalho de investigação no âmbito do receituário gastronómico de Cascais foi iniciado em 2016, numa parceria da Câmara Municipal de Cascais e a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE), e foi concluído em 2017.
Este trabalho deu origem ao livro Receitas de Reis e Pescadores, publicado pela editora Leya e atualmente na 2.ª edição. Com uma edição em inglês, recebeu o Prémio de Melhor Capa, em 2018, na Portugal Cook Book Fair.
É uma viagem pelo património gastronómico do concelho de Cascais, onde se incluem 80 receitas. Das sopas às sobremesas, destacando os pratos de peixe e de carne e também os doces característicos assim como às reinterpretações modernas de algumas das tradições relatadas no livro.
A investigação foi realizada em documentos históricos, como o Foral de Cascais (1514), livros de gastronomia de vários séculos e recolha de testemunhos dos habitantes.
Da autoria de Cláudia Silva Mataloto (Câmara Municipal de Cascais) e Raquel Moreira (Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril), aluna e professora respetivamente.
Em maio de 2021, a Revista Forbes publicou um Guia de presentes para o Dia da Mãe: livros de receitas que representam cozinhas de todo o mundo, onde a autora do artigo aconselha livros de receitas de vários países como prenda para o Dia da Mãe, com o intuito de as levar numa jornada culinária a um destino com que sempre sonharam ou que se aproxima das suas raízes ancestrais.
Este artigo, assinado pela escritora Michele Herrmann, inclui o livro Receitas de Reis e Pescadores, que destaca a região portuguesa de Cascais, a par de outros livros de receitas de Itália, Estados Unidos, Hong Kong, África, Sri Lanka, Tasmânia, Havaí, México, Costa Rica.
Há quem diga que Cascais não possui doçaria típica, tradicional da terra, excetuando, talvez, as célebres areias e as nozes de Cascais.
Tal ideia será certamente contrariada pelos cascalenses mais antigos, que ainda guardam consigo memórias da Fábrica de Bolos de Cascais, da Casa Faz-Tudo ou da Casa Tavares, onde se fabricavam, por exemplo, as joaninhas, feitas de amêndoa, ovos e açúcar, que remontam pelo menos ao final do século XIX. Mas também os bolos reais – porque eram feitos (e muito apreciados) para o rei D. Carlos -, as pratas, as areias – consideradas bolos “de ricos”, às quais se contrapunham os bolos de banha, uma receita mais humilde e de consumo frequente entre os pescadores. Assim se confirma que a doçaria cascalense é de uma grande variedade e vai mais além das "famosas" areias e nozes.
Em casa e também no comércio local, encontram-se outras iguarias, mantendo a tradição do açúcar, do mel, das amêndoas, dos figos, laranjas e limões e tantos outros ingredientes que caracterizam a doçaria local.
Nas sopas destaca-se a utilização de batata, leguminosas, nabo e tomate. Muito presente é, também, o pão, a carne ou peixe e enchidos que as encorparam e lhes conferem um sabor genuíno.
As espécies capturadas nas águas de Cascais são vendidas na Lota e no Mercado da Vila e, posteriormente, utilizadas na cozinha local, sendo as mais expressivas a sardinha, o carapau e o polvo.
Os peixes e mariscos mais nobres também fazem parte da gastronomia local, como a garoupa, o robalo, o linguado rosa, o tamboril, a moreia, a lagosta, a santola, o berbigão, o mexilhão, as bruxas de Cascais, entre outras espécies. Incontornável é a presença do bacalhau, dada a sua relevância e tradição na alimentação portuguesa, constituindo um traço de identidade gastronómica e cultural do nosso povo.
Entre os pratos mais tradicionais temos as caldeiradas, com destaque para a caldeirada de moreia e os pratos de bacalhau, assim como pratos com lagosta: a famosa “Salada de Lagosta à Faroleiro”, camarão, mexilhão e outros moluscos. O polvo faz parte do receituário do concelho e é consumido de várias formas, desde o tradicional “polvo à lagareiro” até aos “panadinhos de polvo”. As lulas têm também tradição à mesa dos cascalenses, tendo sido muito populares nos anos 60 e 70, onde se realizavam concursos de pesca para esta espécie de grande popularidade. Saiba mais sobre estes concursos aqui.
O consumo de carne no concelho está ainda muito associado à capoeira e caça. À galinha corada no forno, que se come em dias de festa, ou a canja de galinha ou perdiz que faz as delícias dos mais novos, juntam-se os pratos de caça, que constituía um importante recurso das populações interiores do concelho, onde predomina o coelho, a lebre e a perdiz. Também na ementa real, a caça era comum, dado o apreço que os Reis D. Luís e seu filho, D. Carlos, tinham por esta atividade. A presença do consumo da carne de porco confirma-se nos enchidos e em alguns pratos mais tradicionais, como a Carne de Alguidar.
De produção agrícola do passado ainda subsistem alguns produtos e outros que estão em recuperação pela própria autarquia, como o caso do trigo barbela, representativa na cultura dos cereais. O cultivo e consumo de leguminosas, como a fava, ainda está muito presente na população, com a conhecida “sopa de favas” de cariz saloio.
Nos pomares, ainda se encontram oliveiras, figueiras, pessegueiros, pereiras, amendoeiras, nogueiras, alperceiros, romãzeiras, abrunheiros, macieiras, laranjeiras, tangerineiras, limoeiros e nespereiras.
A produção agrícola no concelho tem sido incentivada e dinamizada através do projeto Terras de Cascais.
O Vinho de Carcavelos, vinho licoroso de tradicional produção nesta região, destaca-se por ser um produto vinícola de excelência. Este néctar além de ser servido como aperitivo ou a acompanhar um "docinho”, pode ainda ser incluído em algumas receitas, das sobremesas às carnes, demonstrando assim a sua versatilidade e sabor único. Este vinho licoroso, delicado, aveludado, apresenta um certo aroma amendoado, adquirindo um perfume acentuado e característico com o envelhecimento, sendo por isso obrigatório um estágio mínimo de dois anos em vasilhame de madeira e de seis meses em garrafa, a contar da data da sua elaboração.
Das várias tradições que ainda se mantém no concelho e com uma componente gastronómica importante destacamos:
Filhoses no Entrudo
No Entrudo come-se de tudo reforça a importância do alimento em tempo de festas. Esta frase estava muito associada à necessidade de os foliões se alimentaram bem, nutrindo o corpo para os 3 dias que se avizinhavam. Era precisa muita energia para dançar, brincar, levar os cabeçudos, e tocar música. Em Cascais as filhós de laranja continuam típicas desta altura, preparadas pelas várias coletividades que realizam bailes de Carnaval, mantendo a tradição.
Sexta-feira Santa: Apanha do Mexilhão
É sabido que a tradição da apanha de bivalves na sexta-feira que precede o domingo de Páscoa advém da tradição católica da abstinência de carne durante a sexta-feira Santa. Daí a tradição da apanha de mexilhão, perceves e lapas neste dia, numa altura em que as marés altas assim como as baixas marés atingem picos, condição particularmente favorável a uma boa captura destes bivalves. De manhã, as famílias ainda percorrem a zona rochosa das praias de Cascais na captura de bivalves, cumprindo a tradição e preparando os pratos tradicionais, com o resultado da captura, como os mexilhões de Caldeirada à Fragateira.
O 1.º de Maio e a típica caldeirada
Tradição que junta a família e os amigos, normalmente no campo, em versão de pic-nic. O relato entusiasta de uma cascalense de 84 anos, em 2020, leva-nos a um tempo onde as caldeiradas eram feitas em fogareiros no pinhal perto da praia do Guincho. Verdadeiros piqueniques, de mantas e à sombra dos pinheiros. No dia 30 de Abril preparavam-se pastéis de bacalhau, carne assada, chouriço, frutas e bolos. Não podiam faltar o vinho e os pirolitos para a gaiatada. Havia quem optasse por pernoitar de véspera, no pinhal, para garantir um bom lugar. Na manhã do dia 1 de maio, os homens iam pescar à cana, enquanto as mulheres preparavam tudo para fazer a tradicional caldeirada. Depois do repasto, jogava-se às cartas, fazia-se praia, dormia-se a sesta. Nos anos 30, do século passado, na freguesia de São Domingos de Rana, o Primeiro de Maio era, também, celebrado com caldeirada. Os canteiros que trabalhavam nas pedreiras juntavam-se e havia festa. A tradição manteve-se mesmo em plena ditadura e chegou até aos dias de hoje. Exemplo disso é a comemoração que acontece todos os anos na oficina de cantaria de Casal do Clérigo (Trajouce). O dia começa com a compra dos peixes no mercado da Parede e o repasto para 30 pessoas (maioritariamente homens) é preparado num grande tacho, no local da festa. Aos comes e bebes junta-se a música.
As Festas dos Santos Populares
São, também, tradição no concelho, nas quais as coletividades e a Câmara Municipal de Cascais, através da Divisão de Juventude e das associações juvenis se empenham em manter vivas. Ao longo de todo o mês de junho, com ênfase no dia 13, dia do padroeiro do concelho, Santo António, os arraias estão por toda a parte e não falta a sardinha assada, as fêveras, a broa e o caldo verde.
Pão por Deus
No dia 1 de novembro, Dia de Todos os Santos, as crianças juntam-se em grupos e vão de porta em porta pedir o Pão por Deus. Este ritual teve origem numa tragédia que assolou Lisboa. Um ano após o terramoto de 1755, que coincidiu com o Dia de Todos os Santos, estando a população a atravessar um período difícil, em que a fome e a miséria alastravam pela cidade, as pessoas reuniram-se e foram batendo às portas pedindo esmola. O desespero era tanto que pediam Pão por Deus. Este movimento gerou a doação de pão, bolos, vinho e outros alimentos aos pedintes.
Por outro lado o Pão por Deus é uma tradição do nosso país com muitos anos. A data, também, presta homenagem às pessoas que faleceram. As crianças que hoje em dia participam neste peditório representam as almas dos mortos que neste dia, 1 de novembro, andam pelo mundo dos vivos. Os petizes recebiam, tradicionalmente, frutos secos, romãs, pão e bolos. Hoje em dia os doces ganharam mais expressão. No concelho, nas zonas mais interiores, ainda se mantém a tradição. Através do Cascais Food Lab têm-se incentivado a confeção do Bolo Santoro ou Bolo dos Santos - Um pão com base de farinha e erva-doce. Uma forma diferente, mas portuguesa de honrar os nossos entes queridos que já partiram.
Os Bolos de Natal
Continuam a confecionarem-se a persistir, através da tradição oral, no interior do concelho, nas freguesias de Alcabideche e São Domingos de Rana. Atribuídos às tradições saloias no concelho Oferecem-se à família, conforme o número de membros, dentro de cartuchos usados para o açúcar nas mercearias. A Câmara Municipal de Cascais está em processo de classificação dos Bolos de Natal como especialidade tradicional.
Festejos de Santo António
Em 2024, além das marchas populares recriadas em 2012, Cascais retomou, no dia 13 de junho, uma tradição, que remonta a 1959 (interrompida em 2008), a Procissão de Santo António, padroeiro do concelho. O cortejo religioso é precedido pela bênção da imagem do Santo, junto à Cidadela de Cascais, onde se aquartelou o Regimento de Infantaria N.º 19, que nas batalhas da Guerra Peninsular (1807-1814) fazia seguir à frente das tropas, montada numa mula branca, uma imagem similar, hoje preservada no Museu do Buçaco. A procissão, conta com guarda de honra de militares trajados com uniformes do século XIX, como os do Regimento de Cascais, percorre algumas das mais antigas vias da vila, terminando na Igreja Matriz, onde a imagem ficará exposta para veneração. Estas manifestações religiosas e populares, em honra um dos santos mais populares de Portugal têm também associada uma tradição alimentar, característica do mês de junho, onde se propagam os arraiais populares nas várias localidades, organizados por associações juvenis e recreativas do concelho. Além da música popular não faltam pratos como:
> Caldo Verde: A típica sopa portuguesa - caldo verde - marca presença nas ementas de rua. Este creme de batata e couve portuguesa desfiada foi sempre associada a festividades como casamentos e celebrações religiosas, tal como o Santo António.
> Sardinhas assadas: Esta celebração é também chamada de "festival da sardinha", por isso é fácil imaginar qual é a principal comida consumida nesta época. As sardinhas assadas são um dos pratos favoritos dos locais. Deste modo, durante o mês de Junho, Lisboa fica coberta por uma nuvem de fumo de churrasco, com o cheiro a pele estaladiça de sardinha.
> Bifanas, chouriço e couratos: Se prefere a carne ao peixe, não faltarão outros petiscos tradicionais. Os petiscos de carne mais típicos são à base de carne de porco, incluindo chouriço assado, pão com chouriço e bifanas, ou seja, sandes de carne de porco à portuguesa.
> Farturas e churros: Estes doces fritos não são especificamente das festas do Santo António, mas são uns doces obrigatórios durante a maioria das comemorações de rua por todo o país. Enquanto os churros consistem em tiras finas de massa, as farturas são maiores, os tubos de massa são mais grossos e levemente crocantes por fora, mas macios por dentro. Podem ser consumidos polvilhados com açúcar e canela, ou recheados com creme, chocolate ou geleias de fruta.