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Miguel Arruda
O talento do arquiteto Miguel Arruda não é fácil de definir, pois move-se com o mesmo à vontade na arquitetura, na escultura e no design. Mas, é nesta última vertente que o seu reconhecimento internacional tem sido um crescendo, com a atribuição, nos últimos anos, dos mais importantes prémios internacionais de design. Entre outros, destaque para os notáveis trabalhos de recuperação do azulejo português e utilização da cortiça, em conjunto com inovadoras soluções de iluminação, criações únicas que se contam entre as mais premiadas. Dos últimos trabalhos distinguidos, refira-se a linha de iluminação SUN TILE, por si desenhada e produzida pela portuguesa Exporlux, que venceu o RED DOT Design Award 2017, uma espécie de “Oscar” do mundo do design. Para além disso, a linha de iluminação foi também premiada com o SILVER A’DESIGN Award, na categoria de Design de Projetos de Iluminação e Produtos de Iluminação pela International Design Academy. Mas, já em 2016, a cadeira Spherical, produzida em cortiça pela empresa portuguesa Movecho, tinha sido distinguida com o Red Dot Award que concorreu com cerca de 5.200 produtos de 57 países, onde são analisados fatores como o nível de inovação, a qualidade formal, a funcionalidade e compatibilidade ecológica. Em Cascais, Miguel Arruda tem agora o desafio de transformar o icónico Edifício Cruzeiro numa nova Academia de Artes. Outro dos projetos que trás para Cascais e Estoril é o Cascais School of Arts and Design, uma escola de design que vai nascer no antigo mercado municipal.
Arquiteto, escultor e designer. Como é que essas áreas se intersetam e qual a predominante?
A maneira, justamente, como essas áreas se intersetam impossibilita uma predominância e essa ausência de predominância é um fator muito importante no meu trabalho. A escultura como matriz formal é um ponto de partida com uma importância muito especial, depois as funcionalidades têm uma primeira confrontação com o design. A arquitetura, como premissa de definição de um espaço interno, segundo a definição de Bruno Zevi, depende num primeiro momento, em termos formais, do elemento escultórico. Pelo que não há qualquer tipo de predominância nessas áreas. Se estou a fazer escultura trago sempre elementos de outras formas de expressão. A maneira como depois o trabalho se focaliza, isso sim tem a ver com a resposta final, ou seja, se é arquitetura, escultura ou design.
É por isso que nessas formas de expressão e, nomeadamente, na arquitetura, o espaço interior tem tanto protagonismo na sua obra?
Estou a lembrar-me da escultura habitável, um dos seus trabalhos mais icónicos. Sim. O espaço interno é uma característica imprescindível na arquitetura, diria mesmo que é característico da arquitetura a definição desse espaço interno (mais uma vez a definição de Bruno Zevi).
Tem tido uma grande projeção internacional ao longo da sua carreira, com a atribuição de vários prémios, dos mais importantes que são atribuídos no mundo do design. Sendo português e a viver no Estoril, como é que vê essa situação?
Obviamente que me deu muita satisfação receber esses prémios, nestes últimos anos. Por um lado a nível pessoal, por outro lado porque esses prémios são, normalmente, atribuídos a países com empresas (produtoras) de uma grande dimensão financeira.
Até porque para quem dá os prémios é importante dá-los a estruturas que depois tenham capacidade de divulgação. Ora, isto não acontece em Portugal, onde as empresas não têm essa dimensão, nem estão preparadas para esse tipo de investimento. Devo dizer que as empresas portuguesas que estão a trabalhar comigo dão o seu melhor e o resultado disso é o estarmos a ganhar de facto tantos prémios.
Das suas obras em Portugal, qual as que destaca pelas suas particularidades e as que lhe trouxeram mais satisfação como artista?
Há duas que destaco: Uma aqui em Cascais que é a Praça D. Diogo Menezes que foi nomeada para o Prémio de Arquitetura Contemporânea da União Europeia - Mies van der Rohe 2011 (Um dos prémios de eleição para a arquitetura a nível europeu e que nesse ano nomeou também em Cascais, a Casa das Histórias Paula Rego, de Souto Moura). A outra é a Biblioteca de Vila Franca de Xira, na antiga fábrica de Descasque do Arroz e que ganhou o Ícone da arquitetura alemã em 2016. São duas obras que têm tido grande aceitação internacional.
Em Cascais tem mais algum projeto que queira destacar na área da recuperação do património?
Sim, tenho um projeto que foi agora aprovado que é a recuperação de dois pequenos edifícios no centro da vila, em que vamos construir no casco histórico um edifício contemporâneo. Há semelhança do que acontece nas grandes capitais europeias, vamos estabelecer um diálogo entre a contemporaneidade e o passado. Esta é a aposta do proprietário e também da Câmara de Cascais que aceitou o desafio.
Cascais está a respeitar esse diálogo entre o contemporâneo e o passado?
No que diz respeito ao património material, está-se a tomar os devidos cuidados de preservação daquelas peças que são fundamentais para a identidade e caracterização de Cascais. Em termos de intervenções contemporâneas tem-se feito coisas de diversa escala. É muito importante que se tenha uma atitude contemporânea para contrapor e dialogar com o passado. Aqui em Cascais temos do passado coisas muito interessantes: uma obra significativa do Arquiteto Raul Lino que são peças muito especiais que têm de ser conservadas tal como foram criadas. Temos obras extraordinárias da arquitetura modernista como o edifício dos Correios do Estoril (Museu dos Exílios) de Adelino Nunes que é uma peça fabulosa; A nível de arquitetura de moradias também existem coisas muito interessantes dos anos 60 e 70. Destaque também para o grande arquiteto Ruy Athouguia, é dele por exemplo, a Torre do Infante quando se vai de Cascais para o Guincho. Mais recentemente, não posso deixar de destacar a Casa das Histórias Paula Rego de Eduardo Souto Moura que é um bom exemplo de perfeita integração no espaço exterior. Portanto, Cascais começa a dispor de património contemporâneo muito importante.
Foi convidado para o projeto de recuperação do Edifício do Cruzeiro que é uma das construções icónicas do concelho e que vai ser um centro de artes performativas e multimédia. Fale-nos um pouco desse projeto.
O Cruzeiro é uma boa oportunidade de intervenção na área da recuperação, em que vai ser mantido totalmente as características exteriores do edifício. O que é muito importante nesse edifício é o conceito que a Câmara de Cascais propôs em termos culturais. Aquele que era um centro comercial dos anos 50 vai agora ter nova vida como centro de artes performativas e multimédia, com um auditório, uma Escola de Música e de Teatro, uma biblioteca entre outras valias. Trata-se, assim, da recuperação de um edifício com a preocupação de o implementar culturalmente, o que é extremamente importante para a comunidade e vai revitalizar, significativamente, aquela zona do Estoril, dando origem a um repovoamento necessário num espaço que está um pouco deteriorado. É um desafio muito interessante porque temos que adaptar o espaço às suas novas funcionalidades de uma forma contemporânea e tecnológica, de acordo com as novas formas de estar dentro dos espaços.
Cascais também é muito rico em património imaterial. Acha que está a ser dada a devida atenção à sua preservação?
É verdade, Cascais tem um património imaterial significativo que tem sido cuidado, mas tem que vir a ser objeto de uma atividade de recuperação constante. Acho que tem havido um olhar bastante atento e critico nesse sentido que aliás é fundamental em termos turísticos.
Cascais com a sua realidade paisagística, o seu passado histórico ao nível não só da arquitetura, mas também ao nível social e cultural, tem todas as condições para reafirmar esse passado num diálogo muito muito intencional com a contemporaneidade. Esse passado obriga a um registo contemporâneo muito afirmativo e permite que justamente que a arquitetura contemporânea dialogue com esse passado. Só assim é possível marcar uma atitude cultural contemporânea e evoluída ao nível do que melhor se faz no estrangeiro.
Sei que está ligado ao projeto de uma nova escola de Design em Cascais. Pode falar-nos um pouco desse projeto?
É um projeto muito interessante que será designado por Cascais School of Arts and Design que irá ser localizado no antigo Mercado Municipal do Monte Estoril, justamente junto ao Edifício do Cruzeiro. Será, assim, constituído um polo muito interessante e poderoso com a Escola de Música a Academia das Artes, no Edifício o Cruzeiro. Mais em cima há também o Museu Casa Verdades Faria.
Pode falar-nos mais um pouco sobre a futura Escola de Design?
É uma escola particular que se vai dedicar numa primeira fase ao Design nas suas várias vertentes, como sejam o Design de Comunicação, Design de Interiores, Design Multimédia e que vai ter condições para desempenhar um papel importante sob o ponto de vista educacional e cultural que vem na sequência da aposta que a Câmara de Cascais tem vindo a fazer nestas áreas, como seja a Nova SBE, em Carcavelos, entre outras.
Com os dois projetos na forja já referidos para Cascais – A recuperação do Edifício Cruzeiro para uma Academia de Artes e a nova escola de design no antigo mercado municipal do Estoril estão indubitavelmente ligados à vida cultural cascalense. Como avalia o que se tem feito no concelho a esse nível?
Não posso deixar de referir a criação do conceito Bairro dos Museus que está prestes a receber dois novos equipamentos culturais debaixo de um dos espaços que recuperei em 2008, a praça D. Diogo de Menezes. Nomeadamente, no espaço livre que reservei no parque de estacionamento da Marina e que era para ser uma área comercial que nunca foi aproveitada. São eles o Museu Automóvel e o Museu do Vhils que é dos mais reconhecidos criadores de arte urbana. O Bairro dos Museus representa, assim, uma atitude urbana extremamente importante porque através de um conceito de unificação dá-lhe escala interventiva aos equipamentos culturais. Todas estas iniciativas que a Câmara de Cascais está a tomar de uma forma, em certos aspetos, única, é muito importante no panorama cultural do concelho.
C 89 - outubro de 2017