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Luís Carlos Alves
As suas recordações de Angola são escassas, mas Luís Carlos lembra-se bem do momento da partida, do colo da mãe, da sensação de que alguma coisa não estava a correr bem, do som das rajadas de metralhadora, da angústia motivada pela espera de dias e noites passadas numa garagem onde também estavam muitos outros portugueses. Tal como a sua família, estas eram pessoas que engrossavam as listas de espera das escoltas até ao aeroporto, de onde todos partiriam em direção a Portugal. Hoje, 39 anos após ter pisado solo pátrio e depois de alguns amigos lhe mostrarem fotografias atuais da casa onde viveu em Angola, destruída, Luís Carlos não sente vontade de voltar. A nostalgia do regresso não lhe toca tão profundamente como àqueles que regressaram já mais velhos e com um baú cheio de memórias de um tempo feliz. E se a despedida de Angola foi dura, os primeiros anos em Portugal não foram menos difíceis. A família viu-se forçada a começar do zero e os primeiros anos de Luís Carlos em Portugal são passados na terra da mãe e dos avós maternos, em Casal Sancho, Viseu. Como era preciso garantir a subsistência da família, o pai tenta de tudo e arranja trabalho na distante Lisboa. Durante algum tempo, e até que a situação laboral do pai permitisse reunir de novo toda a família, Luís Carlos continuou com a mãe e a irmã, em Viseu, onde iniciou os estudos primários.
Mais tarde, já em Lisboa, prosseguiu os estudos e no liceu começou a interessar-se por informática. Computadores e motores eram já na altura as paixões de Luís Carlos. A adoração por carros e motas é tal que se pudesse, para além de Informático, “seria piloto de Fórmula 1”. Decidido, Luís Carlos ainda não tinha 18 anos quando jurou que tinha que tirar a carta de condução de automóveis. A maioridade, contudo, tinha-lhe guardado uma das maiores provas da sua vida. Problemas de saúde levam-no, por diversas vezes, à mesa de operações, a que se seguiram dois anos de fisioterapia intensa no Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão que lhe devolveram a mobilidade possível. Ao lembrar esta passagem da sua vida, sente- -se a gratidão nas palavras de Luís Carlos. Gratidão imensa por todos aqueles que, em Alcoitão, o ajudaram a inverter um caminho que não raras vezes se pensou ser irreversível. Já com 23 anos de casa, são poucos os que na Câmara de Cascais não conhecem o Luís Carlos. E o percurso na autarquia começa aos 20 anos, quando na sua primeira experiência profissional, Luís Carlos consegue uma colocação como administrativo nas Oficinas Municipais. Desse tempo recorda o Chefe, engenheiro Daniel Barriga, que lhe dizia que “a felicidade depende muito da forma como encaramos a vida. Se nos acomodarmos, a vida nunca nos sorrirá.” Ensinamento que Luís Carlos nunca esqueceu porque nunca deixou de lutar pelos seus sonhos.
Já a trabalhar consegue, em simultâneo, licenciar-se em Informática de Gestão. Já “doutor”, e à espera de definição da sua situação na autarquia, concorre a um lugar na banca. Obteve a melhor classificação no processo mas na fase de entrevista negam-lhe abertamente a possibilidade de trabalhar no grupo por causa do seu problema de mobilidade. Nesse momento, pela primeira vez, Luís Carlos sentiu na pele que existem preconceitos que podem sobrepor-se à competência das pessoas. “Felizmente, hoje, a nossa sociedade encara estas situações com mentalidade mais aberta e de forma mais justa”, afirma. Mas por cada janela que se fecha há uma porta que se abre. Pouco depois surge a oportunidade de ir trabalhar para o Gabinete de Informática da Câmara Municipal de Cascais. Na época, Luís Carlos era o único elemento com uma licenciatura na área. “Ser informático é quase como ser médico, porque para se estar atualizado tem que se continuar a estudar pela vida fora.” Das palavras aos atos, algum tempo depois Luís Carlos voltou aos bancos da universidade para fazer uma pós-graduação em Sistemas de Informação porque, como explica, “o progresso na área informática não deixa de nos surpreender todos os dias, rola a uma velocidade vertiginosa.” A necessidade de se atualizar é, por isso, constante.
Tirando as histórias infantis que faz questão de ler todos os dias às duas filhas, as suas leituras resumem- se, atualmente, a manuais de informática. No seu dia de trabalho não há rotinas. Todos os dias apresentam-se como desafios aos quais ele e toda a equipa têm de dar respostas rápidas e eficazes. Ao Gabinete de Informática da Autarquia cabe fazer a manutenção de todo o parque informático, o que se traduz em muitas questões para dar resposta todos os dias. “Já passei algumas noites sem dormir à procura de soluções para tentar resolver problemas informáticos, mas não me arrependo porque na minha área aprendemos coisas novas todos os dias. Esses problemas tornam-nos todos os dias mais capazes. A nossa autarquia a nível informático não fica atrás do que de melhor se faz em Portugal nesta área. Devemos estar muito perto de atingir o rácio de um computador por utilizador”, acrescenta com satisfação. Sempre que pode, Luís vai até ao autódromo do Estoril sentir o som, o cheiro e a adrenalina dos motores. Mesmo que chova copiosamente e que seja o único espetador na bancada. Afinal de contas, não é preciso ser piloto para ganhar uma corrida, nem para vencer as difíceis voltas que a vida dá.
C - Boletim Municipal | 21 de março de 2013