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Irene Pimentel
No passado mês de Setembro (de 2011) passei alguns dias no Estoril, aproveitando o sol e a praia, ao mesmo tempo que preparava um futuro livro sobre a espionagem
em Portugal durante a II Guerra Mundial. De Lisboa, deslocava-me quase diariamente à piscina do Tamariz, com uma pasta cheia de livros sobre esse tema. A caminho da praia, eu passava ao largo do Casino – cujo edifício já não é o mesmo de há 60 anos - e pelos hotéis que já existiam durante a II Guerra Mundial, albergando refugiados ricos, ex-chefes de governo e ex-monarcas de países ocupados pelas tropas alemãs, bem como espiões dos dois campos beligerantes. Pude assim ler relatos sobre a actividade de agentes secretos ao serviço da Grã-Bretanha ou da Alemanha, que estiveram muitos deles alojados no Hotel Palácio, imersa num ambiente que remetia para a época dos anos quarenta do século XX.
Efectivamente, durante a II Guerra Mundial, a Costa do Sol, e em particular o Estoril, viveu um período de pujança, devido ao turismo forçado» de muitos dos perseguidos e fugidos à guerra e às perseguições racistas e políticas do nacional-socialismo alemão e de outras ditaduras europeias antisemitas. Ironicamente, foi num país onde vigorava uma ditadura
nacionalista com simpatias pelo anti-demo/liberalismo e anticomunismodo nacional-socialismo alemão que alguns perseguidos por Hitler e pelo seu regime encontraram um porto de abrigo transitório, que nunca foi de exílio definitivo.
Devido à censura, os jornais portugueses quase silenciaram por completo a presença dos anónimos «refugiados de guerra», como lhes chamaram, e preferiram realçar os «visitantes ilustres» que chegavam a Portugal, «ponto terminal da Europa para as carreiras aéreas da América», como se lia, num entusiasmado artigo do Diário de Notícias (DN), de Novembro de 1939. A partir do final desse ano, chegaram perante o deslumbramento dos portugueses e dos repórteres, muitos ex-governantes europeus, aristocratas, ex-monarcas, escritores e actores, expulsos pela ocupação alemã dos seus países ou voluntariamente, que passaram pelos hotéis do Estoril, a caminho de exílios dourados.
No final de 1940, um editorial do mesmo DN dava conta que a «guerra e o Clipper tornaram Lisboa escala obrigatória de vedetas» e que a capital portuguesa era então «a sede cinematográfica da Europa». Por Portugal, porto neutro europeu, passaram também, entre Janeiro e Outubro de 1940, a caminho do exílio, os ex-presidentes lituano e russo, respectivamente, Autonas Smetona e Kerenski, bem como os ex-governantes da Grécia, Jugoslávia, Bélgica e França. Muitos aristocratas e ex-monarcas também se instalaram nos hotéis luxuosos de Lisboa e do Estoril. Foram os casos, entre outros, da princesa Margarida da Dinamarca, dos príncipes regentes da Jugoslávia, Alexandra e Nicolau, dos condes de Paris, do Arquiduque Otto de Habsburgo e da Grã-Duquesa Carlota do Luxemburgo. Músicos e compositores também se exilaram no «Novo Mundo», através de Portugal. Entre eles, contaram-se os compositores Béla Bartók e Darius Milhaud, bem como o antigo presidente da República da Polónia e pianista, Ignacy Jan Paderewski (1860-1941), que aguardou no Estoril a ida para os EUA. Pelo Estoril, passou logo no início de 1938, ainda antes de a guerra começar, o escritor e intelectual alemão, Stefan Zweig, exilado em Londres, para onde tinha fugido da perseguição nazi. Da estância estância balnear do Estoril, Zweig escreveu duas cartas aos seus amigos Joseph Roth e a Siegmund Freud, convidando-os para passarem um «intermezzo meridional» nesse «local tranquilo da Riviera» portuguesa.
Já depois o começo da guerra, estiveram de passagem no Estoril diversos governantes, personalidades e cabeçascoroadas da Europa, ocupada pela Alemanha. Em Novembro de 1940, hospedaram-se no Hotel Palácio do Estoril o milionário Charles Guggenheim, a futura primeira-ministra da Índia, Indira Nehru, e o economista John Maynard Keynes. Outros passaram
pelo Estoril com passaportes falsos, clandestina e brevemente. Foram os casos de diversos escritores e intelectuais alemães e austríacos fugidos ao nacional-socialismo, munidos de passaportes checos emitidos em Marselha, que ficaram alojados no Grande Hotel da Itália do Estoril, entre Julho e Outubro de 1940, enquanto aguardaram o navio para os Estados Unidos da América. Entre estes, contaramse escritor Franz Werfel e a eposa, Alma Mahler-Werfel, que sentiu, em Portugal, uma «tranquilidade paradisíaca», bem como o historiador Golo Mann, filho de Thomas Mann e sobrinho de Heinrich Mann. Este último e a sua mulher, Nelly, vinham munidos com passaportes checos em nome de Ludwig, para escapar
à perseguição nazi. Antes de partir para Nova Iorque, juntamente com o cineasta Jean Renoir, o aviador e autor do Príncipezinho esteve alojado, entre 28 de Novembro e 20 de Dezembro de 1940, no Hotel Palácio do Estoril.
Face à sofreguidão com que os refugiados mais ricos gastavam, na roleta, fortunas «esvaziadas de significado» e «moeda talvez caducada», Saint-Exupéry sentiu uma tristeza e uma angústia iguais à «que nos invade no jardim zoológico diante dos sobreviventes de uma espécie em (vias de) extinção».
A maioria dos refugiados e estrangeiros que se alojaram no Estoril e na «Costa do Sol» permaneceram pouco tempo nesse local de «turismo forçado».
Opinião in C - Boletim Municipal, nº3, Outubro 2011)