Sala cheia no Cinema Cascais Vila esta manhã para a sessão de abertura da iniciativa “Abril, mês da prevenção dos maus tratos na Infância e Juventude”. Sob o lema “Apenas o coração pode bater”, a iniciativa visa chamar a atenção para a temática dos maus tratos sobre crianças e jovens e durante todo o mês de abril são vários os eventos programados culminando, em Cascais, com a formação de um laço azul humano, na Baía, às 14h30.
Fotos: Ana Torres e Rosária Silva
“O que temos de fazer para ter uma comunidade mais coesa sem violência?” Uma pergunta colocada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Cascais a que as estatísticas do trabalho realizado ao longo do ano 2016 não dão propriamente resposta, mas contribuem para uma melhor perceção da realidade. “O trabalho nunca acaba, mas a prevenção é muito importante, por isso estarmos aqui hoje é fundamental”, referiu, Frederico Pinho de Almeida, vereador da ação social na Câmara Municipal de Cascais, na abertura da sessão.
Com 1155 processos movimentados, o que representa cerca de 3% das crianças do concelho, o ano de 2016 trouxe um crescimento de 16% em relação aos casos do ano anterior. Do total de processos quase metade (43%) transitou de anos anteriores e 10% foram reaberturas.
Reportados na sua grande maioria (43%) pelas forças de segurança, os casos que deram entrada na CPCJ de Cascais ao longo de 2016 afetaram sobretudo (45%) crianças entre os 6 e os 14 anos e tiveram por base, maioritariamente (46%) a violência doméstica.
Na sua maior parte (72%) a principal medida adotada foi a proteção na família, o que significa que a criança se manteve no seio familiar, sendo canalizada ajuda especializada (psicologia, apoio social) para reverter a situação que a colocou em perigo. Em metade dos casos (51%) a situação de perigo cessou. Números que realçam a necessidade de se estar atento a todos os sinais.
“É mais fácil olhar para o lado, mas é muito importante não ficar indiferente”, refletiu Fátima Duarte, formadora na área dos maus tratos e membro da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças e Jovens, convidada para o debate que sucedeu ao visionamento do filme Moonlight, de Barry Jenkins, sobre a temática dos maus tratos. Para Fátima Duarte, o filme reproduz o “caleidoscópio doloroso que atravessam muitas crianças e jovens” e “é preciso estarmos atentos, pois a proteção diz respeito a todos nós!”
Igualmente convidado a participar no debate, o psiquiatra José Gameiro, terapeuta familiar há 35 anos, lamentou a fraca representatividade masculina nesta área, porque “os homens não pensam da mesma forma e juntos, homens e mulheres, podem contribuir para soluções mais equilibradas”. Afirmando não acreditar na educação parental, pois “as famílias são como são”, José Gameiro destacou a coragem com que as Comissões de Proteção de Menores exercem o seu trabalho: “vocês trabalham no arame e no alto risco!” Por isso mesmo o psiquiatra defendeu perante as dezenas de técnicos presentes que “é preciso avaliar mais o vosso trabalho” e, “mais do que fazer o bem, importa fazer bem”.
“Temos de ser capazes de ultrapassar a nossa miopia profissional”, referiu Plácido Conde Fernandes, Procurador da República em Cascais, aludindo ao facto de, muitas vezes, tendermos a olhar para o mundo que nos rodeia em perspetivas estanques e deixarmos escapar pormenores importantes. “No caso do filme, por exemplo, identifiquei logo a questão do tráfico de droga”, salientou, elogiando de forma transversal o trabalho de equipa e em rede feito na proteção dos menores em risco: “partiram de casos práticos para estabelecer uma metodologia de trabalho e isso é muito importante”.
Durante a manhã a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças e Jovens apresentou a sua nova mascote, o Mariano, criada pelos alunos do Colégio Senhora da Boa Nova (Estoril) no âmbito de um concurso que envolveu todas as escolas do concelho e aproveitou a audiência para a antestreia do filme de animação que visa desmistificar o papel das Comissões de Proteção das Crianças e Jovens e que estará disponível a partir de quinta-feira. A ideia é contrariar a visão do bicho papão.