Foi [no] Estoril que Fausto de Figueiredo sonhou, desenhou, concretizou e amou (…) que decorreu parte da história mais simbólica do nosso concelho no último século”
No ano em que Cascais celebra 650 anos de elevação a vila, assinala-se também o centenário da apresentação do Projeto do Estoril por Fausto de Figueiredo. É este importante visionário que hoje levamos até si, pela mão de João Miguel Henriques, investigador e responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Cascais, autor de “O Estoril e as Origens do turismo em Portugal de 1911 a 1931”, “Da Riviera Portuguesa à Costa do Sol: fundação, desenvolvimento e afirmação de uma estância turística de 1850 a 1930” e “Cascais 650 anos de história em documentos”, entre outras obras.
Fausto Cardoso de Figueiredo nasceu a 17 de setembro de 1880, no Baraçal, freguesia do concelho de Celorico da Beira. Ainda que já exercesse atividade na Farmácia de Alberto Veiga, na Rua dos Retroseiros, em Lisboa, antes de concluir o curso, a sua progressão no mundo do trabalho dever-se-ia sobretudo a José Ferreira do Amaral, abastado proprietário de S. Tomé, cujo escritório funcionava no mesmo prédio. O jovem farmacêutico, com forte interesse pela política, atestado pelo ingresso no Partido Regenerador Liberal, começou por representar o seu protetor na Assembleia Geral dos Obrigacionistas da Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, que lhe valeu, depois, o ingresso no Conselho de Administração. Em 1910 a ligação com a família do mentor consolidar-se-ia, ao casar-se com a sua filha, Clotilde Ferreira do Amaral, fixando, então, residência no Monte Estoril, junto à Quinta do Viana.
O vasto pinhal inexplorado de Santo António do Estoril, na proximidade de uma praia e de termas servidas por estação de caminho-de-ferro, estimulá-lo-ia a lançar-se num novo projeto, que as viagens pelo estrangeiro permitiriam apurar, mostrando-lhe as potencialidades e necessidades do turismo moderno. Por esta altura já Fausto de Figueiredo se destacara como republicano da main stream, desempenhando, desde 1911, funções enquanto Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais e, em 1913, o cargo de Presidente, que também ocuparia, desde 1914, na recém-criada Comissão Executiva Municipal.
Contrariando as vicissitudes conjunturais do país, dependente de capitais externos, apresentou em 1914 o plano do novo Estoril a erigir na Quinta do Viana, entretanto adquirida pela Figueiredo & Sousa, que fundara com o seu cunhado, Augusto Carreira de Sousa. A nova estação marítima, climatérica, termal e sportiva foi publicitada num folheto-álbum ilustrado, que previa a construção de importantes equipamentos coletivos orientados para as atividades de lazer: três hotéis, um novo estabelecimento termal, casino, teatro, palácio de desportos, edifício para banhos de mar, espaços comerciais e galerias cobertas, para além de um amplo jardim, disposto numa extensão alargada de território frente ao mar.
No ano seguinte constituiu-se a Sociedade Estoril, que imporia a região enquanto espaço dotado de identidade própria. Em 1918, as novas termas foram abertas ao público, apesar de ainda se encontrarem em fase de acabamento, dando-se início ao processo de urbanização e venda de terrenos para a edificação de habitações. Cinco anos depois fundar-se-ia a Estoril-Plage, para gestão do projeto da estância turística, de forma a que a Sociedade Estoril se pudesse dedicar à introdução da tração eléctrica na linha de Cascais, concretizada em 1926. Foi, contudo, a partir do ano seguinte, com a criação das únicas zonas de jogo permanente no Estoril e na Madeira, que o projeto de Fausto de Figueiredo efetivamente se desenvolveu. Em 1930, a inauguração do Palace Hotel dotou o projeto de uma infraestrutura de nível internacional, a que se sucedeu a transformação do apeadeiro do Estoril no terminus do Sud-Express, de forma a assegurar a ligação a Paris, e, já em 1931, a abertura do Casino.
A rápida ligação à capital, que a Estrada Marginal viria depois a facilitar, transformou, desde então, a Costa do Sol na mais importante estância de turismo internacional do país, que se associou à passagem de muitos estrangeiros em contexto de guerra, sobretudo após a ocupação da França em 1940. Findo o conflito, em 1946 também o Conde de Barcelona escolheria o Estoril como local de exílio, logo seguido por Humberto II de Itália, que fixou residência em Cascais, e, no ano seguinte, pelo Rei Carol II da Roménia, igualmente no Estoril.
Foi, assim, neste Estoril que Fausto de Figueiredo sonhou, desenhou, concretizou e amou até ao seu falecimento, a 5 de abril de 1950, que decorreu parte da história mais simbólica do nosso concelho no último século, cuja memória continua bem presente no coração dos cascalenses.