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António Silva

Contra os canhões, surfar, surfar.

Há expressões que entram na gramática desportiva pela simplicidade com que narram momentos inesquecíveis. Momentos que misturam um certo grau de genialidade, de sorte e de loucura ao desafiar todas as probabilidades.
Mas que no final cruzam legitimamente os portões do olimpo e ficam para história porque são definidores. Porque depois deles nada é como antes.

Lembremo-nos do “Cantinho do Morais” ou do “Calcanhar do Madjer”. Trazemos-lhe outra frase que vai entrar para a enciclopédia do desporto em Portugal: “A onda do António Silva”. Ou,para não ferir suscetibilidades lubísticas, do benfiquista ‘Toni’ Silva. Porque se é de surf que falamos hoje, uma referência é devida ao Benfica, clube em que iniciou a sua vida desportiva como infantil.
Perfecionista, persistente, António viveu na sua infância demasiado o futebol e menos a escola. Resultado, demasiados autogolos académicos no final do ano. “A verdade é que nunca gostei muito de estudar. Cheguei a frequentar o segundo ano da faculdade mas o que eu quis sempre foi o surf”, confessa.

E como é que surge o surf? Voltemos ao futebol. Depois do cartão vermelho escolar, a família põe um ponto final na experiência futebolística e António, com apenas nove anos, passa essas férias grandes de verão na Praia Grande. A vontade de fazer desporto fala sempre mais alto e António, autodidata e sem visto prévio de ninguém na hierarquia familiar, pega na prancha do irmão mais velho e faz-se ao mar da Praia Grande. “Lembro-me bem disso, andei um bocado aos papéis.” Começo atribulado para o português que, 16 anos mais tarde, viria a inscrever o seu nome na história ao surfar uma das maiores ondas de sempre.
Confirmava-se que o futebol tinha perdido um bom jogador mas que as ondas tinham ganho um grande surfista.

A carreira de António Silva só começa, de forma verdadeiramente profissional aos 18 anos. Mas muito antes de atingir a maioridade “Toni”, como é conhecido na tribo do surf, corre o mundo à procura das ondas perfeitas.
Do Havai à Sumatra, do Índico ao Pacifico, onde estivessem as melhores ondas, Toni estava lá – provavelmente com mais pranchas do que peças de roupa na mala.
Apesar de surfista profissional – “se o mar estiver bom passo o dia inteiro a surfar, se não estiver vou para um ginásio treinar a condição física e a apneia” – ‘Toni’ não se deixou seduzir pelo glamour e pelo brilho do circuito profissional. “Gosto de ser livre para escolher onde vou surfar, gosto de respirar as culturas e de estar com as pessoas. Durmo em qualquer lado, os hotéis e os luxos não são importantes para o que faço”, diz.

Purista do surf, Toni cria raízes por onde passa. e isso explica a forma como chegou, por acaso, à Nazaré no dia 28 de janeiro, o dia da sessão das mundialmente famosas ondas gigantes. “Fui com o meu parceiro, o Ramon Laureano, apanhar umas ondas na Ericeira. Eram umas sete da manhã. Mas não dava para entrar no mar.” Enquanto decidiam se voltavam à base ou se rumavam a norte, Toni e Ramon recebem uma chamada que viria a mudar o destino dos dois.
Do outro lado, um surfista basco – conhecido de outras paragens – prometia um mar gigante na Nazaré. “Decidimos ir para a Praia do Norte e estavam provavelmente as maiores ondas de sempre!”. Quando os dois chegam à Nazaré, já o circo mediático estava montado devido à presença da estrela havaiana do surf, Garrett Mc- Namara, conhecido por surfar ondas gigantes, que estava na Nazaré para bater o seu próprio record do Guiness. GMac, nome de guerra, artilhado com equipamento que parece ser feito pela NASA (fatos insufláveis e botijas de oxigénio, etc), apanha uma massa de água gigante. A onda é grande mas não quebra. Ainda assim é suficiente para McNamara bater o seu próprio record.
Mais de 30 metros de onda. O mundo espanta-se. E durante o espanto, Toni e Ramon – contando com eles mesmos e com uma dose de fé - entram na água. Dois homens contra o “Canhão da Nazaré”. A luta parece desequilibrada
mas, pouco depois, ‘Toni’ dropou uma onda maior e mais perigosa. ”Não consigo dizer se a onda tinha 10, 20 ou 30 metros. Só sei dizer que era muito muito grande, e que tinha uma velocidade incrível.” Mal saíram da água, Toni e Ramon (a quem chama “máquina!”) perceberam que tinham feito algo especial.

As imagens da dupla correm o mundo, vão da CNN à BBC e são, na maioria das vezes, mal atribuídas a McNamara provando que “A onda do António Silva” foi um momento verdadeiramente único para a comunidade do surf e para o desporto mundial.
Não demorou muito até que chovessem telefonemas entre a incredulidade e a euforia. Da Indonésia, da Europa, de vários pontos do planeta, quase todos querem ouvir as explicações da boca do protagonista. E porque o momento foi especial, a onda do “Canhão da Nazaré” teve dedicatória especial à pequena afilhada de ‘Toni’ que, por razões de saúde, partiu o ano passado.

Aos 25 anos, António tem uma vontade férrea em chegar ao topo do surf mundial. Com casa na freguesia do Estoril, é visto a surfar com regularidade no Guincho e em Carcavelos. Acredita que a Câmara de Cascais tem feito um “excelente trabalho” nos desportos de mar: “Vejo reunidas todas as condições para que em Cascais o surf e os desportos de mar sejam um grande mercado”, que já hoje tem assinalável preponderância desportiva, social e económica.
Como apanhar ondas gigantes continua a ser o seu projeto de vida, é bem provável que voltemos a ouvir falar das “Ondas do António Silva”.
Até lá, o jovem munícipe continuará a ser aquilo já hoje é: uma referência nacional do surf purista.
 

Cascais Digital

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