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Um sorvete dos diabos
Estavam todos alinhados na bancada à espera da chamada do chef:
- Courgette? Chama o chef.
- Presente! Responde o vegetal que antes se chamava aboborinha e que hoje tem nome com sotaque francês, verde de orgulho das suas, apenas, 17 calorias, mas rico em proteínas, vitaminas do complexo B, cálcio, ferro, magnésio, fósforo, potássio, sódio, niacina. Sem demoras, estava na panela. Vinham adiante outros:
- Beringela, tomate, pimentos, cebola, alho! Clamaria o chef por todos conduzido-os à panela. E, por fim, um fio de azeite, e o toque final um perlimpimpim de orégãos. O lume estava brando e as cores misturavam-se, as texturas amaciavam e o aroma subia da panela como uma serpente encantada, enfeitiçando o ambiente da cozinha da EB1 de Carcavelos. Era o guisado do chef Bertílio Gomes, um ratatui que haveria de se misturar com um frango com crosta de ervas.
“Procurei introduzir sabores diferenciadores para que se habituem e começar também a reduzir o sal, porque as ervas permitem-nos”, garantia Bertílio Gomes. Era o desafio, reconhecia, porque, explicaria o chef, “trabalhar para um palato mais sensível, que consegue captar todos os aromas e sabores é um grande desafio. Nós precisamos de sabores mais intensos mas eles detetam os mais subtis, e daí serem menos receptivos”. “Não é por capricho”, afiança.
Ora aqui estava a dica para uma boa observação àquele momento de degustação. Seriam as crianças indiferentes ao repasto. E não eram. Porque os olhos também comem, as cores lá estavam, misturadas na tonalidade alaranjada do ratatui e concentrada na cobertura verde do frango.
É verdade que uns torciam o nariz depois da garfada, mas outros havia que devoravam o frango, empurrado com o ratatui. Não iria haver unanimidade. É assim numa cozinha onde todos os sabores têm a oportunidade de se mostrar. Democrática por isso, mas também “sustentável”, reforçaria o chef Bertílio Gomes: “O futuro está nos vegetais nos legumes, não está na proteína animal. Temos de reduzir cada vez mais a proteína animal, porque a oferta de legumes é tão variada e tão grande enquanto a proteína animal é muito limitada. O vegetal é mais rico em cores, é mais rico em sabores, é mais rico em forma, em textura, em valor proteico e nutricional. É o futuro, também em nome da sustentabilidade do nosso ecossistema”, disse.
E o repasto, tal como o discurso, por ali ficava não fora o sorvete do diabo. O chef, como que testando o paladar da pequenada, pegou num bom cesto de morangos, frescos e biológicos, juntou-lhes água e açúcar e levou ao frigorífico para servir no final. O que ele foi fazer. Ia sendo o diabo. Até parecia um levantamento de rancho. O que um bom sorvete pode fazer…
H.C.