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CE 2019 | A corrupção é uma ameaça para a Democracia
“Se pensarmos que as atividades ilegais, onde se inclui a corrupção, movimentam quatro mil milhões de dólares por ano e consome cerca de ¼ dos recursos que temos à nossa disposição, compreendemos a urgência de combater este fenómeno”.
Foi com estes números impressionantes que Aminata Touré, Primeira-Ministra do Senegal (2013-2014) abriu o debate em torno da corrupção que considera envolver uma dimensão internacional pelo que exige ações e medidas transnacionais para o seu combate.
“ Precisamos de trabalhar em conjunto, trocar informações e consciencializar mais as pessoas e de alimentar a solidariedade entre todos porque nos deparamos com forças muito poderosas e bastante bem organizadas, com muitíssimos atores integrados em redes com imenso poder”, apelou Touré, acrescentando que a grande corrupção “é uma verdadeira ameaça ao desenvolvimento sustentável, não só em África, mas no mundo inteiro”.
Sérgio Moro é o nome incontornável e muito contestado por detrás da maior operação de corrupção levada a cabo no Brasil e que deixou a magistratura para se tornar no Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil.
Por isso era esperada a questão colocada pelo moderador do debate, o jornalista Ricardo Costa: “Vê hoje a corrupção de uma forma diferente desde que é político?”
Sérgio Moro respondeu que a razão porque aceitou ser ministro tem a ver precisamente com a possibilidade de garantir que o Brasil continuava no caminho certo do combate à grande corrupção:“ Em muitos países verificou-se que quando caminhavam muito no combate a grandes casos de corrupção, depois, chegados a um certo ponto, havia sempre um retrocesso. Por isso aceitei este cargo, para consolidar os avanços realizados no Brasil e impedir que houvesse esses retrocessos”, explicou o Ministro.
Da sua experiência enquanto juiz e agora como ministro da Justiça, Moro defendeu que a grande corrupção envolve uma escolha racional, com riscos e oportunidades. Então, "para se combater essa corrupção, tem que se trabalhar para diminuir as oportunidades e aumentar o risco, através do controle democrático, usando mecanismos de transparência, prevenção, fiscalização e punição efetiva".
“ No caso do Brasil, não falamos de corrupção isolada mas de um ambiente de corrupção no qual o comportamento lícito é considerado a exceção. Temos que mudar isso, o facto de as pessoas acharem que esses comportamentos corruptos são o normal”, referiu Sérgio Moro que defendeu um sistema de reformas que permita reduzir a impunidade dos corruptos.
“ A redução da impunidade da corrupção disseminada é fundamental porque afeta a produtividade e corrói a fé das pessoas no regime democrático que é baseado no princípio de que quem infringe a lei tem que ser punido e de que os representantes da população estão obrigados a agir em prol do bem comum”, sublinhou Sérgio Moro, acrescentando que “ essa é a causa da perda de confiança da população nos governos”.
Já para Francisca Van Dunem, “ em Portugal legisla-se em excesso” pelo que o efetivo combate à corrupção no nosso país passa pela criação de mais meios, ou em torna-los mais eficazes, tanto para a prevenção como para a repressão, já que “o quadro legislativo que temos permite fazer muito mais do que aquilo que temos feito”.
A Ministra da Justiça aconselha a olhar para os países que desde há muito tempo têm os mais baixos índices de corrupção e aquilo que têm em comum.
Uma melhor distribuição da riqueza e bem- estar social, administrações públicas modernas, legislação robusta nas questões da transparência, mecanismos de controlo adequados, sistemas judiciais eficazes e sistemas de educação virados para a cidadania e o respeito pelos direitos humanos, são algumas das características dos países com melhor ranking no que se refere á corrupção.
Para além disso, é necessário “criar na população uma melhor perceção sobre o destino dos impostos e da necessidade de todos contribuírem para o bem comum e para uma sociedade mais justa”, afirmou Francisca Van Dunem.
À questão do que é que tem falhado nos grandes processos de corrupção, a Ministra da Justiça respondeu que o problema não está na fase do inquérito, mas na fase do julgamento. “ Hoje o Ministério Público está especializado e tem uma capacidade diferente no que se refere á investigação do grande crime, mas isso não acontece com os juízes e a produção de prova no julgamento”, acrescentou Van Dunem que defendeu a necessidade de “um debate alargado” para colmatar o que faz falta ao sistema judicial português para ser mais célere e mais eficaz.
Também para Joana Marques Vidal, a lei que existe é suficiente para termos melhores resultados do que aqueles que temos tido. “ Temos muitos instrumentos na nossa lei que podiam ser aplicados de uma forma mais estruturada e eficaz”, garantiu a antiga Procuradora- Geral.
A magistrada defendeu, ainda, que o combate à corrupção não pode ser considerado tarefa exclusiva dos tribunais: “ Há que desenvolver uma cultura cívica de integridade e criar mecanismos de prevenção e transparência”.
A grande ovação da tarde, por parte da audiência que encheu o auditório na Nova SBE, foi para a ex- Procuradora Geral que afirmou: "em termos democráticos não podemos deixar que o tema da corrupção seja o tema dos movimentos populistas porque há uma tendência para que esses movimentos autoritários se apropriem desse tema como uma bandeira. ESte é um tema central dos regimes democráticos e deve ser colocado como prioridade na sua agenda publica".
Igualmente para Janine Lélis, combater a corrupção passa pela renovação da forma de representação politica e pela urgência que os governos têm de responder as questões que preocupam as pessoas.
“Uma cultura institucional forte é fundamental neste combate ao crime organizado e cabe aos tribunais restabelecer a confiança das pessoas nas instituições públicas e no sistema político, cuja desconfiança abre caminho aos populismos”, defendeu a Ministra da Justiça e do Trabalho de Cabo Verde.
“Há uma imposição de renovação, ajustamento e de responsabilização dos partidos políticos e uma necessidade de incentivar a participação ativa dos cidadãos na realidade politica”, concluiu a Ministra.
A questão do instituto jurídico da “colaboração premiada” que existe, por exemplo, no sistema judicial brasileiro e americano, também foi abordada no debate, incluindo a possibilidade de aplicação desse mecanismo em Portugal nos crimes de corrupção.
Para Sérgio Moro não há dúvidas: “ a colaboração premiada é preferível à impunidade no caso da grande corrupção”. Para o atual Ministro da Justiça do Brasil “ Às vezes a colaboração premiada é a única forma de avançar na investigação e produzir prova. Através de um acordo com um criminoso menor, podemos chegar a um grande criminoso, ou estabelecer acordo com um criminoso poderoso para chegar a outros grandes criminosos”.
Mas a posição de Francisca Van Dunem é diferente: “As democracias devem respeitar as suas próprias regras mesmo quando combatem a grande corrupção e devemos ter muito cuidado com as restrições aos direitos fundamentais a todos os níveis”.
Para a Ministra da Justiça de Portugal, “ o combate à corrupção é uma equação complexa que envolve uma boa malha normativa e meios adequados de repressão e prevenção. Acho que ainda temos espaço para aperfeiçoar os meios de que dispomos e só se concluirmos que não são suficientes é que devemos estudar a possibilidade de aplicar outros mecanismos.”
“ É preciso perceber o que é que falha e o que temos de fazer para corrigir essas falhas e não avançar logo para mecanismos de exceção”, afirmou a Ministra sobre a colaboração premiada, concluindo que “ Não podemos combater o crime através de qualquer meio. As democracias têm que se elevar ao nível da sua exigência no respeito pela sua Constituição e de acordo com os princípios do estado de direito”
Já para Joana Marques Vidal, o “debate sobre a colaboração premiada em Portugal vai acontecer muito em breve” e defendeu que a utilização da colaboração premiada, em certos casos, permite chegar mais rápido à conclusão das investigações e à produção de prova.
Para a ex- Procuradora Geral, a “estrutura tradicional da investigação não consegue chegar a casos muito complexos e sofisticados que estão na base da grande corrupção e do crime organizado”, por isso é necessário uma “adaptação das estruturas judiciárias à complexidade das novas realidades que o crime organizado representa”.
Em conclusão, o que ficou claro neste debate, é que a corrupção é uma ameaça à democracia e aos direitos humanos fundamentais, impedindo o desenvolvimento sustentável nos países com mais indices de corrupção e, sobretudo, naqueles em que a corrupção é sistémica.
A corrupção gera desconfiança das pessoas nos sistemas politicos e nas instituiçoes públicas e abre caminho aos movimentos populistas que se apoderam do seu combate como bandeira. Daí a premência dos governos de todo o mundo cooperarem e estabelecerem um normativo comum para um combate mais eficaz. Esse combate deve, todavia, fazer-se sempre no quadro da democracia, com respeito pelos valores e direitos fundamentais, a todos os níveis.
A utilização de institutos jurídicos de exceção, como a colaboração premiada, não reúne consenso em Portugal que tem uma legislação considerada suficiente, mas que é preciso aperfeiçoar, assim como tornar os mecanismos mais efetivos e os meios mais eficazes. (PL)
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