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A verdade na escrita em discussão no FIC

"Escrever a própria vida ou a vida alheia?" - este foi o mote para uma conversa entre os escritores portugueses Fernando Dacosta, Helena Sacadura Cabral e Rita Ferro, a quem se juntou o britânico Andrew Morton. A moderação do debate, na Casa das Histórias Paula Rego, foi de José Fialho Gouveia. Reunidos à volta da veracidade da memória na literatura, os autores consideraram a escrita literária, jornalística e biográfica.

Rita Ferro iniciou a conversa, considerando que "é muito difícil que não exista alguma coisa nossa na heteronimia, no universo das nossas personagens. Quando um escritor diz que não tem nada de autobiográfico na obra, é precisamente quando quer esconder referências a pessoas." A conhecida escritora adiciou: "o que se escreve de nós nunca é justo: ou vem de um amigo ou de um inimigo - e por vezes nós somos terrivelmente exigentes connosco próprios." Destacou também a literatura de diário, porque "com todo o empenho que um autor coloca na obra, não consigo imaginar que esteja a mentir. O que me choca é que a maioria das pessoas morra inédita."

Fernando Dacosta referiu-se frequentemente a Fernando Pessoa: "a genialidade de Pessoa, que revolucionou tudo, foi assumir a sua heteronimia, as suas contradições." O jornalista e romancista falou ainda de José Saramago, que "dizia que cada época produz um imaginário próprio. Não sabemos como a memória futura do nosso tempo vai ser construída." Referiu-se ainda ao país atual: "tenho o privilégio de ter vivido com grandes vultos da literatura deste país; gente que se dedicou a edificar um imaginário muito rico. Caímos num adormecimento muito perigoso. Um povo que pensa tão mal de si próprio, vai tornar-se precisamente naquilo que construiu."

Helena Sacadura Cabral baseou-se no livro que irá editar, no próximo mês de Outubro, de nome "Memórias de Uma Vida Consentida". "Só pude escrever depois do Miguel (Portas) morrer e o Paulo ter saído da política - e fi-lo em apenas mês e meio." A autora considerou que "estes foram anos muito importantes da minha vida - mas os mais importantes foram os seguintes, nos quais me refiz." No que toca à veracidade da memória, refletiu: "é evidente que a mulher que escreveu o livro não é a mulher que passou pelos acontecimentos; mas a memória está viva dos sentimentos que teve na altura. Tentei dar um retrato fiel da mulher que fui então."

Andrew Morton, biógrafo britânico com relação próxima da casa real inglesa, lembrou que "na escrita de biografias, estamos a utilizar memórias de pessoas e podem não estar necessariamente corretas. As biografias tentam ser objetivas, mas não pretendem sê-lo absolutamente." Dando o exemplo do livro que escreveu sobre Angelina Jolie, "tanto ela e o irmão diziam que a mãe era uma cozinheira incrível - mas ela não sabia cozinhar um ovo sequer. A memória é uma construção."

Por fim, Morton ressalvou que "as biografias começaram nos santos, passaram para os grandes homens, e agora são na maioria sobre celebridades e futebolistas - uma espécie de "pão e circo" de Roma Antiga. Mas quando a princesa Diana me disse que tinha distúrbios alimentares, milhares de mulheres pelo mundo assumiram os mesmos problemas; portanto há aspectos positivos."

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