Há peru no Strogonoff e courgette na Lasanha

João Lopes é portuguesíssimo, mas fez toda a sua formação na cozinha francesa e, portanto, do sotaque não se livra, mesmo quando os sabores eslavos e italianos o seduzem, há lá sempre um toque de saveur, como se fosse o perlimpimpim final.

Também por esse seu passado profissional, os miúdos da EB1 da Rebelva, que o Chef visitou na segunda-feira, imaginaram-no de bigode retorcido, touca branca a três quartos e, para completar o quadro, um foie gras na mão. E foi assim que o pintaram nos quadros afixados no refeitório.

Só que, o Chef João trocou as voltas à pequenada. Entrou bem cedo na escola, pé entre pé, lá chegou ao refeitório, novo, por sinal, e fechou-se na cozinha. Fechada a porta em vez da barulheira habitual dos diálogos entre tachos e panelas, não.

Pôs-se um silêncio que deixava ecoar até os pensamentos.

É então que se ouve uma espécie de diálogo, entre o Chef João Lopes, perfeitamente identificável, em português claro e um outro, com um ligeiro sotaque eslavo, russo dizemos nós porque falavam de Strogonoff… e perguntava o russo:

- Onde está a carne de vaca? 

- Este Strogonoff é de Peru, respondia o Chef.

- Ora, ora! respondia o russo. Peru em vez de Vaca, francesices, vociferava.

- E então a Smetana?

SMETANA? Será que se referia ao compositor checo? Não, não podia ser, que disparate. Ficamos mais atentos e percebemos então:

- Como vais fazer o molho do Strogonoff sem Smetana? alertava o russo.

- Tenho aqui natas frescas, replicava João Lopes.

- Bom, não é o mesmo, Smetana é melhor!

Percebemos então que Smetana era um ingrediente russo para o Strogonoff. Um género de nata ácida.

- Mas, o russo voltava à carga.

- E o puré de batata?

- Vai ser substituído por uma polenta de milho! Respondia João Lopes.

- Polenta de milho? Strogonoff sem carne de vaca, sem smetana e sem puré de batata e chamas-lhe tu Strogonoff, disse o russo com uma sonora gargalhada?

- Se os miúdos gostarem, podemos chamar-lhe Strogonoff de peru e milho. Rematou João Lopes.

Pelos protestos percebemos que o russo não ficou nada satisfeito.

Mas o silêncio voltou a imperar. Não por muito tempo, logo voltava uma conversa em surdina, desta vez com um interlocutor com sotaque italiano.

- Ma Come? protestava o italiano. Lasagne senza carne, ma com zucchine? Mama Mia!

E Lopes lá explicava tratar-se de uma Lasanha vegetariana, com courgette, em vez de carne, mas que todos os outros ingredientes seriam respeitados. E, desta vez o italiano parecia convencido.

Só então se começaram a ouvir o barulho dos tachos e a porta se abriu. João Lopes estava agora com um ar aliviado e confiante. Chegavam os seus ajudantes o Francisco e a Iulia e não mais se deixara de ouvir o som natural da cozinha em hora de ponta.

O cheirinho que saia da cozinha e se espalhava pelo refeitório começava a desfazer dúvidas que existissem e o Chef João era então convidado para dar uma pequena palestra nas salas de aula, onde os alunos já se inquietavam de curiosidade.

Na turma dos mais novos não havia quem não quisesse ser cozinheiro de profissão, não propriamente por vocação, mas gentileza da pequenada para com o Chef.

Nos mais velhos a comidinha da mãe ou da avó não tinha comparação. Na verdade, a preocupação apertava. O Chef ia ter de superar toda esta exigente pequenada que até lhe reservavam um recado musical para o deixar mais nervoso: “Com a boa alimentação/ Sou forte como um Leão”, cantavam juntos no recreio perante um Chef incrédulo.

- Como vou satisfazer esta rapaziada? Interrogava-se o Chef João Lopes, habituado a públicos bem rigorosos na apreciação dos seus trabalhos culinários.

A hora do almoço soara e as mesas ficavam cheias e depressa os pratos ficavam vazios.

No final, o prazer da pequenada dava ao Chefe um tal sorriso rasgado que até o bigode parecia retorcer-se. E o Chef João Lopes desabafava:

- Não mais vou esquecer, dei milho no Strogonoff e beringela na Lasanha e eles gostaram.