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Estela Barbot nas Conferências do Estoril: “A austeridade é demais e é uma palavra que já não apetece ouvir, mas temos de criar condições”

Já esteve no grupo de decisões do FMI – Fundo Monetário Internacional, e estudou as entranhas do plano de resgate a que Portugal teve de anuir para minimizar o impacto de uma dívida insustentável. Hoje, de regresso à vida de empresária no sector privado, Estela Barbot, portuense, portuguesa, europeia e cidadã do mundo, é acérrima defensora do Euro e de uma Europa unida e com dimensão e continua a acreditar que os sacrifícios impostos aos portugueses valem a pena.

Os problemas de Portugal são estruturais… o que fizemos de tão errado?
Os nossos problemas de base são estruturais. Infelizmente por mais que nos custe temos de fazer reformas estruturais para conseguirmos seguir em frente e essas são muito penosas. O que me preocupa neste momento, é que muitas vezes está o justo a pagar pelo pecador. Se formos ver o último relatório de competitividade, Portugal entre 144 países, está no 49.º lugar e está muito bem colocado em infra-estruturas (11.º) e está muito bem colocado em jovens com ensino superior. Mas depois, no que realmente interessa para o investimento e crescimento, nós estamos muito abaixo dos 100, no ambiente macroeconómico e no sistema bancário. A nossa questão estrutural resulta da maneira como aplicámos os fundos que recebemos e que não o fizemos no aumento da competitividade, não o empregámos no sector dos bens transaccionáveis. A mim custa-me horrores porque tenho muito sempre carinho por aquelas pessoas que estão a pagar pelos erros dos outros, mas isso, muitas vezes, acontece.

Com tanta austeridade o desemprego tem levado a melhor. Para quando podemos estimar o regresso do crescimento económico?
Espero que estejamos quase a dar a volta. A austeridade é demais e é uma palavra que já não apetece ouvir, mas temos de criar condições. Eu sou a favor do Euro, não só porque nos coloca um problema legal, mas sobretudo porque a Europa precisa de dimensão. O mérito e a igualdade devem ser as palavras de ordem.

Neste período em que é preciso cortar mais de seis mil milhões de euros até 2017, onde é que esses cortes podem ser feitos?
É muito difícil fazer esses cortes, porque todos os cortes têm repercussões. Mas, como dizia Ghandi, quanto mais tempo demorarmos a iniciar esse processo então nunca mais tarde lá chegamos. Vejam o exemplo da irlanda que está quase a conseguir ir ao mercado. Temos de pensar no copo meio cheio.

Fomos bons alunos. Podemos beneficiar com isso?
Vamos tirar dividendos de termos sido bons alunos até agora. Acho que vamos ir rapidamente aos mercados com taxas bem mais apelativas do que teríamos se não tivéssemos feito todo este esforço. Esperemos que todo este esforço não tenha sido em vão, por todos aqueles que estão desempregados, por exemplo.

Os modelos económicos falharam…
Eu sou economista, mas sou muito cética em relação aos modelos económicos, porque eles vão pegar num determinado momento e em determinadas premissas. Numa altura de crise os modelos económicos têm de ser meramente indicativos. Temos de estar em permanente mudança e saber ajustar as nossas políticas à realidade.

O crédito era fácil… muitos países caíram na tentação de gastar mais do que podiam…
Não havia uma lógica de poupança, o crédito era fácil. O exemplo dado pelo governador do banco de Portugal, Dr. Carlos Costa, é o de que foi como entrar num bar aberto, sair de lá alcoolizado e atribuir culpas pelo facto de o bar ser aberto. Quando nos endividámos já sabíamos que íamos ter de pagar.

Jean Elgewed, professora universitária na Carolina do Sul, EUA, oradora nestas Conferências, disse que “Se não houver emprego para os jovens que trabalhem como voluntários”. O que pensa disso?
Essa frase foi polémica. É importante que os jovens, mesmo que não tenham emprego, estejam preparados, que não assumam a postura de queixosos. O problema do desemprego para mim é sair de rotinas. Mesmo o trabalho voluntário obriga-nos a trabalhar e a estar ocupados e isso é muito bom e sempre de alguma forma é gratificante se não houver outro.

Que luz podemos ter ao fundo do túnel para contrariar a espiral recessiva?
Se nós pensarmos qual é o crescimento mundial neste momento, não é com bom grado que vemos que a Europa, e o Japão, por ouras razões, são o bloco mundial com menos previsão de crescimento. O crescimento mundial foi previsto para 2013 para pouco mais de três por cento e para 2014 na ordem dos quatro por cento e tem muito mais a ver com os BRIC’s (Brasil, Rússia, Índia e China) enquanto economias emergentes. É assustador, mas é uma lição para a europa, porque no seu projeto de globalização é precisa dimensão, é preciso acertar vectores comuns de interesse a todos os países. Pensar no bem comum é uma coisa que se faz pouco.

A Europa tem sido muito morosa nas suas decisões…
Com o alargamento em 2004 da Europa de 17 para 27 países, aumentou-se o número de estados membros sem ter sido anteriormente feita uma união fiscal e bancária. Pense-se no que demorou a fazer o Tratado de Lisboa. Mas a agenda de Lisboa continua premente que é inovação, criatividade, investimento…

Mas falta-nos competitividade…
Por sermos europeus e termos história, tivemos uma certa arrogância e quase que nos esquecemos que os outros países também estão lá e também vão crescer. Estamos a pagar o desleixo e comodismo de não termos tido a capacidade de tornar a Europa num espaço com mais competitividade. Nos últimos anos houve uma deslocação dos bens não transaccionáveis para os bens transaccionáveis. Agora temos de voltar a ter mais indústrias e mais bens transaccionáveis e voltarmos a ser competitivos.

Como vê o facto de a organização das Conferências do Estoril partirem de uma Câmara Municipal?
Só tenho que felicitar a ideia do presidente da Câmara de conseguir reunir em Cascais umas conferências que se tornaram de grande prestígio a nível internacional. Acho que é um exemplo do que individualmente, nós com inovação ideias podemos ser factores de desenvolvimento e de atração no nosso país.

O facto de se reunirem oradores tão distintos pode contribuir para se encontrarem soluções?
Estamos numa altura em que parece que não há respostas e isso é angustiante. Mas temos de pensar que a dialética e a evolução do mundo têm a ver com o debate e deste que surgem as novas ideias. O debate é necessário. Se as pessoas estiverem atentas verão que é nesse debate e nessa dialética que o mundo vai evoluindo. Esperemos que não sejam necessárias guerras para mostrar a necessidade de mudarmos o nosso caminho.

Temos de estar mais unidos que nunca. É isso?
Há pessoas mais preocupadas com o bem comum do que outras. Estamos numa altura em que o individualismo é, muitas vezes, uma forma pura de sobrevivência e é uma pena porque no século XXI as pessoas torna-se cada vez mais individualistas. Que esta crise seja uma chamada de atenção de que às tantas esse não é um modelo correto.

Mas há coisas boas na globalização….
A globalização aproxima as pessoas. Em 1981 mais de 50% da população do mundo vivia abaixo do limiar da pobreza. Em 2010 essa taxa baixou para 30%. A globalização tem essa parte muito boa.

 

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